Texto e fotos: Museu do Futebol e Esportes de Araraquara
No que diz respeito ao balonismo, coube à Morada do Sol a primazia do primeiro voo realizado na América do Sul. Isso mesmo! O feito se deu em nossa cidade, no dia 25 de outubro de 1970. Era um domingo à tarde. Tal façanha teve a Fonte Luminosa como palco escolhido para que o dirigível pudesse ser erguido. Na citada data, o estádio sediou o jogo entre Ferroviária e São Bento, válido pelo Torneio Classificatório Paulistinha. O duelo terminou com vitória da AFE por 3 a 1. A estratégia em realizar o feito no intervalo do confronto aguçou ainda mais o interesse da população.
A proeza teve como protagonista um araraquarense: Victorio Truffi, que há tempos havia deixado a cidade natal. Contudo, quando decidiu fazer história e alçar voo com seu aeróstato, optou pelo local que nasceu em 1913. O aventureiro, descendente de italianos, veio para cá com seus pais, oriundos de Rincão.
Quando o balão ganhou o céu da cidade, torcedores presentes no estádio e os populares que circulavam pelas ruas, ficaram estarrecidos ao observarem o dirigível se elevando.
O jornal O Imparcial, em sua edição do dia 27 de outubro, relata um teste feito no município, dias antes do voo oficial, além de mostrar uma foto do balão inflado no solo, tendo ao lado do piloto a cantora Maísa.
A proeza e o percurso
Sozinho, aos 57 anos, Truffi embarcou em seu balão azul, com 35 metros de diâmetro, para a grande epopeia. Recortes de jornais da época contam que a bordo do pequeno dirigível, o piloto alcançou a altura de 500 metros, sobrevoando por cinco minutos um trecho da cidade, deixando se levar pela brisa. Fixadas ao balão estavam as bandeiras do Brasil e do Estado de São Paulo.
No solo, muitos não acreditavam naquilo que viam. Segundo contemporâneos, o primeiro voo realizado na América do Sul foi demasiadamente comentado. Após alçar seu aeróstato do centro do gramado da Fonte Luminosa, Truffi sobrevoou a linha férrea, passando pela Vila Industrial, vindo pousar com demasiada dificuldade, no local onde hoje está situada a rotatória do SESI, na Alameda Paulista. Pela relevância do feito, aquele espaço - uma pequena praça - recebeu o nome de Victorio Truffi. Levando em conta o percurso em linha reta, o balão teria percorrido uma distância de 1.150 metros.
Extremamente profissional e metódico, o piloto realizou dezenas de testes em Cotia, cidade em que morava. Inúmeras vezes os ensaios terminavam com insucessos, porém o idealismo do aventureiro era maior. O principal desafio era o pouso. Por questões de segurança e acerto do dirigível, os treinos muitas vezes eram simulados com o balão preso em cordas. À medida que os preparativos passaram a ter êxitos, o balonista voou atrás de seu sonho.
Naquela tarde de primavera, mesmo com alguns empecilhos, Truffi conseguiu estabelecer seu objetivo. A fama obtida, fez com que o piloto se dedicasse exclusivamente aos balões. Sites inerentes ao segmento ressaltam que ele chegou a ter 16 dirigíveis, sendo detentor da maior frota particular do mundo, acumulando cerca de três mil horas nos céus do país. Transformou o sítio onde morava, em Cotia, num clube de balonismo, com permissão do Ministério da Aeronáutica para ensinar os primeiros pilotos de balão do país.
Realidades e Sonhos
O sonho de Truffi foi concretizado no mesmo local em que foi idealizado: Araraquara. Tudo começou na infância, quando o garoto só pensava em soltar balões. Propenso a invenções, Truffi improvisava vários artefatos, com o intuito de levá-los a atmosfera. Idealizava seu próprio material, bem como os tripulantes. Não foram poucas as vezes, que fez uso de ratos e gatos. Nesse período, invariavelmente o término das brincadeiras do menino culminavam com insucessos.
Descendente de italianos, Victorio Truffi, precisou trabalhar cedo. Seu pai era proprietário de uma pequena fábrica de cerveja. Como tinha mais 11 irmãos, o menino começou a trabalhar cedo para ajudar a família. Cessou os estudos e foi desempenhando o ofício de jornaleiro e operário numa torrefação de café. Como a maioria dos adolescentes, tentou ser jogador de futebol, todavia aptidão, baixa remuneração e a marginalização da carreira na época, contribuíram para que o jovem seguisse outro rumo. Na década de 30, a família Truffi já havia mudado para São Paulo.
Nesse período, o sonho de voar estava distante. Victorio nutria grande admiração pelos relatos sobre Santos Dumont e outros aviadores. Ainda na Morada do Sol, ele adorava os bate-papos e conversas nas praças sobre um cientista araraquarense que mantinha contato com o pesquisador suíço Augusto Piccard, que fazia a exploração da estratosfera através de balões nos Estados Unidos.
Literalmente Antenado
Aos 20 anos, Truffi decidiu abrir seu próprio negócio. Começou a vender rádios de porta em porta. Em pouco tempo ele economizou o suficiente para alugar uma loja no centro da capital. Com o início da Segunda Guerra Mundial, em 1939, as vendas ganharam impulso, pois todos queriam saber as notícias do conflito pelo aparelho. No período pós-guerra, Victorio passou a oferecer assistência técnica. Ele mesmo consertava os rádios. Em 1945, finalmente fundou seu próprio estabelecimento. Pouco tempo levou para que a loja transforma-se em uma fábrica de antenas para rádios.
Criativo, inventou o primeiro modelo nacional embutido. Ter um carro equipado com o acessório era obsessão de muitos. Tamanha demanda fez com que a empresa tivesse 800 funcionários. Nos anos 50 foi ‘a maior’ do segmento na América Latina.
A prosperidade proporcionou a Truffi estabilidade financeira e viagens ao exterior. O sucesso dos negócios fez com que ele voltasse a ficar antenado em seu sonho de criança. Na década de 60foi presidente da Federação de Pombos Correio, filiado ainda à Patrulha Aérea Brasileira. Durante a Ditadura Militar (1964 a 1985), chegou a ser preso e torturado, sob alegação de utilizar os pombos para comunicação com comunistas uruguaios.
Viajou para os EUA, motivado por um convite do inventor Piccard. Truffi foi conhecer o ateliê do pesquisador. Foi quando pela primeira vez viu um balão inflado de perto. Visando obter embasamento técnico sobre o assunto, o aventureiro conheceu ainda o balonista americano Bob Rechs, que levou Victorio para seu primeiro voo. A amizade fez com que Rechs se tornasse o instrutor de Truffi.
Nesse momento, o gatilho disparado na infância, voltou à mente do brasileiro, que estava decidido a construir o primeiro balão brasileiro. Quis que Bob acompanhasse de perto a elaboração do dirigível. Depois de várias experiências e uma considerável burocracia, o piloto recebeu autorização do CTA – Centro Técnico Aeroespacial -, para que pudesse voar. Truffi recebeu o prefixo PP-ZBT para seu balão.
O piloto obteve fama, e passou a viver em função dos balões. Recebeu a alcunha de “elétrico louco”. Com a evolução dos acessórios e da segurança nos voos, ainda no início dos anos 70, surgiram os primeiros seguidores de Truffi. O araraquarense não estava mais sozinho. Instituiu um grupo de adeptos, que se reuniam para o entretenimento com os dirigíveis. Em 1975 eles fundaram o Clube Paulista de Balonismo. Truffi formou os 20 primeiros pilotos brasileiros de balão.
Inusitado e midiático
Em 1977, dois de seus alunos chegaram a se casar dentro da cesta de um balão. Cenas de filmes e cerimônias religiosas também aconteceram a bordo do dirigível. Contudo, o que mais marcou, foi a participação de Truffi no matutino infantil ‘A Turma do Balão Mágico’, em 1983. Era ele quem levava Simony, Fofão e Castrinho, no passeio de Balão na abertura do programa. Ele também marcou presença no Sítio do Pica Pau Amarelo.
Equívoco
Em sites de balonismo, há um engano em muitas matérias e artigos dedicadas ao acontecimento. Diferente do que foi propagado através dos tempos, o voo de Truffi não antecedeu o jogo Ferroviária e São Paulo, mas como já dito, à partida entre AFE e São Bento de Sorocaba. A vitória grená diante do Tricolor do Morumbi, por 2 a 0, aconteceu antes, no dia 16 de agosto, e esta sim, levou um público de cerca de 12 mil pessoas ao estádio.
Ventos ruins e legado
O balonista fez inúmeros voos. Em 1980, por conta da comemoração do centenário de Santos Dumont, Truffi sobrevoou as Cataratas do Iguaçu e ao longo do Rio Cuiabá, em Adamantina, subindo 4.300 metros e ficando quase 10 minutos desaparecido dentro de uma nuvem.
Cinco anos depois, o piloto passou por uma grande desilusão. Ele viu sua frota de balões ser destruída em um acidente, que queimou também o famoso PP-ZBT. O balão seria doado ao Museu da Aeronáutica. Desse dia em diante, o piloto esmoreceu, abatido pela tristeza. Deixou de voar em 1991. Faleceu no ano de 2002, com 89 anos, em Cotia.
Em seus balões, Truffi sempre leva o lema: “Paz, Amor e Liberdade”. As aventuras, coragem e o espírito desbravador deixaram um legado, que passou a ser seguido por muitos. Hoje é comum ver balões pelo Brasil afora. Mas e se fosse a primeira vez? Como reagiria? Boas ideias e bons ventos fizeram de um araraquarense a bandeira do balonismo nacional.
Texto e foto: Museu do Futebol e Esportes de Araraquara
VISITE O MUSEU! O Museu do Futebol e Esporte de Araraquara está aguardando sua visita. O espaço fica aberto ao público de segunda a sexta, das 8h às 17h e aos sábados das 8h30 às 12h. A entrada é gratuita e o telefone para contato é 3322-2207.